Ela passou devagar no sinaleiro observando o movimento constante dos carros, como se quisesse absorver para si toda aquela energia em movimento.
Era uma quarta-feira e tudo o que importava era que ela não havia conseguido dormir, o barulho do trem da estação, pessoas gritando, o cheiro de café da lanchonete ao lado, o movimento insistente de uma metrópole que não dorme.
Então num segundo de distração ela fechou os olhos.
Num instante tudo mudou o aroma agora era de terra molhada, e o barulho, ah não havia barulho, apenas o doce canto da cotovia ao longe, como se anunciasse boas novas.
Naquele instante não pode entender, onde estava?
Viu a sua frente algo muito verde, muito colorido, seria um campo de flores? Ela caminhou sem destino a procura de uma resposta, de alguém para perguntar onde estava.
E quanto mais andava mais se esquecia de onde viera encantada com a beleza e o perfume das flores, uma alegria sem fim tomou conta do seu coração e o andar se transformou em uma vontade louca de correr, o passo apressado se transformou numa corrida sem destino, sem procura, apenas sentindo o vento e a alegria de uma liberdade nova e prazerosa como nunca havia sentido.
Parou por um instante como se percebesse uma presença, alguém, a observá-la, muito próximo, e por mais que procurasse não via ninguém, somente o campo de flores e uma presença que a envolvia como uma doce aragem de vento.
Por um instante não quis compreender, não quis entender, apenas sentir.
Ao longe via uma sombra que a chamava, como se quisesse dizer algo, como se quisesse alcançá-la, mas ela não podia entender, apenas estava em paz, longe de tudo que a afligia, de tudo que a fazia tão infeliz. Insistentemente um rosto parecia chama-la, mas ela não conhecia aquele rosto, nunca o tinha visto antes, mas ele a chamava pelo nome, de aonde a conhecia?
Então esquecia tudo e só lembrava-se da paz que sentia ali e de não querer mais nada, não precisar de mais nada.
Lembrava vagamente, como em um sonho distante dos últimos dias, o fim do namoro de 7 anos, o emprego que odiava, mas que pagava suas contas, o apartamento que tinha vizinhos irritantes e barulhentos, a morte do seu pai. O violão que amava. A vida toda errada que construíra baseada em escolhas covardes.
Agora sabia, eram escolhas covardes, o caminha mais seguro sempre, o mais racional sempre.
Mas seu coração gritava de ódio de toda essa racionalidade.
Amava música, poesia e amava a paz que sentia agora.
Na aragem do campo florido, sentiu uma canção, ouvia como e alguém cantasse pra ela dormir, uma canção que falava de amor, mas falava principalmente de encontro, de paz e de vida. Ela fechou os olhos e permitiu que sua alma viajasse ao som daquela música que pedia pra ela esquecer, tudo ficaria para trás e então ela renasceria e poderia começar de novo, uma nova chance.
De olhos fechados adormeceu e se perdeu do tempo e se perdeu do campo.
Quando abriu os olhos, não pode entender, onde estava o campo, as flores, a música.
Agora era tudo branco e sem vida, um monte de aparelhos saia dela e sentia dor, uma dor aguda, um vazio de tudo e de todos, uma solidão sem nome.
De repente várias pessoas entraram em seu quarto e falavam coisas que ela não podia entender, um alvoroço se armou a sua volta, pensou então que tinha voltado dos mortos.
Porque estaria ali? Não se lembrava de nada, apenas do campo e da paz.
Segundos depois um rosto entrou em seu quarto e no meio do alvoroço, somente aquele rosto importava. Um homem desconhecido vestia branco e sorria. E quando ele perguntou como ela se sentia, ela compreendeu.
Sua canção havia voltado.
Alexandra A. Oliveira.